Henrique Braz Rossi (2011)
Tem alguns amigos que, por incrível que pareça, fazem parte de outros círculos de amizades totalmente diferentes e quando percebemos, a rede de amizade é extensa. E, podemos passar por situações ou momentos deveras interessantes.
Entrando no metrô, logo cedo, no cardume como todos, encontrei entre as sardinhas o velho Cadú, amigo antigo do bairro. Com a rotina não nos víamos há tempos. Entre um “oi” e o “que tem feito”, recebi um convite de uma festinha naquela noite. “Opa! Sem problemas. Nos vemos a noite na rua”. Meu dia já tinha um motivo para esperar a noite.
Em casa a noite, resgato uma calça jeans com estilo e a velha camiseta preta de balada para ir encontrar minha carona. Porém, me perguntava que festa era essa e onde seria? Oras, festa é festa. Ainda mais de graça. Imaginei. Cadú chega com sua “previdência privada” vermelha – um gol parcelado a perder muito de vista. Coisas de viciado em boletos e carnês. Mas era o nosso transporte da noite.
A festa era no centro da cidade, em um apartamento perto do Largo do Arouche, de um amigo do amigo dele, ou seja, nem Cadú e nem eu conhecíamos o dono da farra. Mas, de novo, festa é festa. O prédio era antigo e meio escuro, não era um lugar convidativo. Seu cheiro e estilo dos móveis dava ao ar um cenário dos anos 70. Na portaria o porteiro dormia debruçado no balcão. Despertou sorridente perguntando se viemos para a festa do Carlão. Opa, era o lugar certo segundo Cadú. “Podem ir para o terraço, elevador a esquerda”, bocejou. Pronto. Estávamos indo para uma baladinha em plena terça-feira e já era quase madrugada. Elevador típico dos antigos prédios, todo de madeira bege com aquele carpete marrom surrado que devia ser o estilo pós moderno da época.
Enfim, descobrimos a festa em um terraço em pleno centro e com visão para a praça da república, era fantástico. Muita gente diferente, iluminação na penumbra, música alta e muitos baldes com bebidas variadas enterradas no gelo. Era a nossa cara. E de graça ainda, maravilha. Percorrendo entre a galera, ninguém se importava conosco, nos sentíamos daquela tribo. Cadú procurava o Dudu que nos convidou, que era amigo da irmã do Carlão, o dono da festa. Mas achamos que pela pressa da festa, chegamos cedo demais. Então resolvemos nos enturmar, rir, tomar algo e comer o que tivesse. Como não sou muito de dançar e mais conversar, fiquei de papo com um pessoal que eram ou dançarinos ou coreógrafos. Mas, Cadú tinha seu foco, ir a caça de alguma menina perdida. Aumentaram ainda mais a música e eis que um novo cardume começara a dançar, gritar e aos risos Cadú virou parte daquela cena. Avistando uma bela loira, ou melhor, um loirão, já tomado pelas diversas caipirinhas e misturas, decidiu mostrar seus dotes de Sidney Magal, entrelaçando as pernas e seus braços desconcertantes para sua presa. O que podia fazer senão ser platéia daquele momento “mico” de um amigo? Estava divertido… festa é festa! O novo casal parecia mestre sala e porta-bandeira, em uma sintonia frenética e anestesiando a todos. Continuei no meu guaraná e bolinho de queijo admirando a cena. Eis que depois de algumas horas naquele frenesi os corpos uniram-se e em beijos e abraços Cadú e aquele loirão fenomenal se acasalavam em melodia frenética com aquela vista noturna de Sampa. Até admito que fiquei com uma certa inveja. Mas meu dia tinha sido atribulado demais e já estava querendo descansar. Mas o que fazer com Cadú, que encontrou sua caça e a abatia ferozmente? Tinha que esperar a carona se deleitar e ter sua quarta-feira relaxante.
Comecei a estranhar a festa e o que acontecia após altas horas. Beijos coletivos, seres rolando ao chão, pulos alegres e revelações sentimentais exacerbadas. “Eita”, pensei. Creio que a festinha tinha sido incrementada e eu era o único careta… a não ser Cadú que nem respirava colado nos lábios carnudos do loirão. Nem respiravam. Claro que recebi cantadas diversas, porém apenas de pessoas estranhas. “Cadú de boa e eu aqui sendo assediado”. Escutei um “OPA”, bem alto no meio da farra. Era Cadú, que vindo em minha direção suando e sem palavras. Aquilo sim que era homem pegador. Fez o serviço e agora tomava cinco copos de alguma mistura sem parar. Era o touro da noite. “Vamos embora que a noite já deu o que tinha que dar”, exclamou. Retornando para nosso bairro, dentro do carro, afoitamente eu contava sobre a festa, as cantadas estranhas, a galera doida e os detalhes hiper estranhos que presenciei. Cadú calado apenas me ouvia. Continuei relatando os detalhes da festa e quando disse a loucura do loirão e do seu espetáculo libertino, senti o cinto tomar meu peito bruscamente com o forte freio e, de forma indignada bradava, “Pô meu, o loirão era o Carlão!”.
Pois é. Festa é festa e de graça pode ser estranha.